Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e de até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão.
Na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Texto de Carlos Drummond de Andrade anotado em meu caderno no dia 19/07/1994.
Não sei mais em qual livro eu copiei. Eu só sei que quando li esse texto eu gostei muito.
30 anos atrás.
O que eu estava fazendo nessa época?
Tinha 20 anos. Estava desempregado mas estava estudando. Eu fazia magistério
na Escola Sandoval Soares de Azevedo em Ibirité- MG.
Eu lia muito, mas muito mesmo! Disso eu posso me orgulhar.
A leitura é para mim um hábito. Desde quando aprendi a ler, eu sempre estou lendo.
E há autores que me marcam, como Carlos Drummond de Andrade.
Tenho textos dele que guardo e leio sempre, como esse acima.
Quando li esse texto pela primeira vez já causou impacto.
Tem uma sonoridade, tem humor.
Um poema é uma brincadeira com as palavras, e foi essa brincadeira
que me cativou, achei gostoso recitar esse poema.
Hoje, 30 anos se passando o que esse poema me fala de novo?
Continua gostoso de recitar, continua novo em folha.
Mas, me fala mais.
Está falando do amor, um amor em si mesmo, sem regras, sem motivos, sem nada.
Apenas o amor pelo amor.
O que esse poema, testemunha de um Breno de 20 anos, pode dizer ao mesmo com 50?
Continue amando.